*** Este post é fruto de reflexões das aulas da disciplina Literatura e mercado editorial, oferecida no segundo semestre de 2020 pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da UFSCar.
Terminei o post anterior sobre o EXO como um objeto editorial falando que “podemos dizer que seu ‘conteúdo’ principal – o que será retomado, e por isso consideramos como espaço canônico – são suas músicas, clipes e álbuns, mas o grupo só é bem-sucedido (como a quantidade de Daesangs e sua popularidade no país indicam) porque é lembrado não só pelos fãs (porque, em tese, este é o ‘trabalho’ deles), mas pelo público em geral, o que só é alcançado com aparições em programas de rádio, de entretenimento televisivo (como Knowing Brothers), com reality shows (como o Travel The World on EXO's Ladder), participação em dramas (as ‘novelas’ sul-coreanas), como EXO Next Door, 100 days my prince e Memories of Alhambra, peças teatrais e filmes, participação em trilhas sonoras de dramas e nos mais diversos anúncios publicitários que formam seu espaço associado. É nesta conjugação de espaço canônico e associado que um grupo de kpop se torna, finalmente, um grupo de idols”. Desta vez, me deterei um pouco mais nesta conjugação de espaço canônico e associado, considerando as promoções e atividades oficiais do EXO como seu espaço canônico e as produções dos fãs como espaço associado. Me parece importante tratar das produções dos fãs por um motivo bastante simples: são eles os consumidores tanto dos conteúdos “primeiros” – oficiais, majoritariamente pagos e intermediados pela SM Entertainment – quanto dos conteúdos de terceiros – feitos por marcas patrocinadoras, lojas, programas de entretenimento, dramas e pelos próprios fãs.
Ainda que haja muito a ser dito sobre o conteúdo produzido pelas marcas em que os integrantes do grupo são embaixadores (por exemplo, Kai e Gucci, Chanyeol e Prada, Baekhyun e Burberry, Lay e Valentino, Sehun e Dior Men) e que lhes imprimem certos sentidos e valores, há ainda mais produções de fãs. No vasto mundo do fandom encontramos uma imensidade de fanarts, fanfics, fanconcerts, fanmades e tantos outros projetos, produtos e produções que enumerá-los se torna uma tarefa árdua – por exemplo, se abrirmos hoje, 10 de outubro de 2020, às 10h34 da manhã, o Archieve of Our Own, também conhecido como AO3, encontraremos 37012 fanfics na tag “EXO (Band)”. Por isso, vamos nos atentar para um recorte do fandom do EXO, conhecido como EXOL – e aqui vai um pouco mais de cultura exol para você: o fandom ganhou este nome depois que Suho, líder do grupo, disse que as fãs eram *L* (de love, o amor do EXO), e ficam entre K e M (talvez você não se lembre, mas no conceito inicial do EXO tínhamos duas units, EXO-K e EXO-M) – que se dedica a fazer ações que reflitam de forma positiva nos membros e no grupo como um todo.
Mas antes, vamos esclarecer alguns termos:
Fã: Pessoa que se identifica/gosta com alguma história, banda, ator, ad infinitum. Está relacionado ao nosso instinto de urgência em se conectar um com o outro e com si mesmo, enterrado tão profundamente em nossos cérebros que fazemos sem perceber – procuramos fragmentos de cultura que possam nos ajudar a nos tornarmos uma versão “melhor” de nós mesmos (Fraade-Blanar e Glazer, 2018).
Fandom: se refere às estruturas e práticas que se formam em torno de peças de cultura popular. O fandom é pré-digital, mas a internet possibilita que os fãs tenham cada vez acesso mais fácil e frequente às coisas que gostam. Suas atividades envolvem criação de conteúdo, evangelização e liderança a serviço do objeto de fã (Fraade-Blanar e Glazer, 2018).
EXO-L: nome do fandom do EXO, mas os fãs também podem ser subdividido em ~grupos~ para cada integrantes, assim temos: elsas (fãs do Xiumin), dandanies (fãs do D.O.), erigoms (fãs do Kai), yeolmaes (fãs do Chanyeol), soondingies (fãs do Chen), shiners (fãs do Baekhyun), xunqis (fãs do Sehun), xingmis ou xbacks (fãs do Lay) e bunny citizens (fãs do Suho) – esses nomes se relacionam aos poderes de cada integrante ou aos animais que são seus favoritos/os representam.
Quando falamos em fã e fandom, o senso comum tem a imagem de garotas adolescentes gritando histericamente para ver alguma celebridade. Ainda que uma parte (algumas vezes significativa) dos fandoms seja composta por adolescentes, o fandom possui mais camadas do que esta (no exol encontramos adolescentes, que acabaram de descobrir o grupo, e adultos, que “dedicaram sua juventude ao EXO” e continuam a apoiar o grupo enquanto trabalham e estudam, mas também pessoas mais velhas, que acompanharam outros trabalhos dos integrantes e acabaram se envolvendo no fandom). Há, por exemplo, a parte de pessoas que se dedica a criar artes (fanarts) e textos (wikis, fanfics, AUs) sobre o grupo e seus integrantes de forma gratuita, há a parte que estuda seu objeto de fã e pesquisa academicamente sobre algum de seus aspectos, outra que se dedica a criar produtos e artes dos e sobre os integrantes (chaveiros, canecas, roupas, bolsas, livros, revistas, itens de papelaria etc.) para reverter parte dos lucros para compras de produtos oficiais (álbuns físicos e digitais, passes em plataformas de música etc.) e também há uma parte que se dedica a levantar quantias em dinheiro e fazer doações ou plantar florestas – é claro que não podemos fazer divisões bem marcadas destas “partes” do fandom, pois, um indivíduo pode tanto fazer produtos fanmades quanto consumir fanfics, comprar outros fanmades, participar de arrecadações etc.
Se podemos considerar que uma fanart pode ser a porta de entrada para um fandom, a notícia da plantação de uma floresta em nome de um artista também pode ser o ponto de curiosidade que leva alguém a buscar o nome do idol ou grupo. O exol tem várias divisões, principalmente regionais, mas os projetos de arrecadação de fundos para doações são práticas comuns e seus resultados são significativos. Separei três exemplos recentes:
- Em 2019, pelo terceiro ano consecutivo, a Chen Bar (fã-clube chinês do Chen) recebeu a medalha de “This Year’s Model Celebrity Fanclub” por ter plantado três florestas para o Chen (Chen Forests) inclusive na Mongólia Interior, região de deserto severo – neste ano eles plantaram a quarta floresta, com 5000 árvores (veja mais aqui).
- Em agosto deste ano, fanbases indianas se uniram e colaboraram com a Small Wish International, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para a diminuição da pobreza, o empoderamento das mulheres e a preservação do meio ambiente, para arrecadar fundos e alimentos para as vítimas das enchentes em Assam (saiba mais aqui).
- No final de setembro deste ano, várias fanbases brasileiras se uniram para lançar o #EXOLsSupportPantanal, um fundo de arrecadação para ajudar a Brigada Alto Pantanal (saiba mais aqui), que está recebendo doações para criar duas equipes permanentes de brigadistas para atuar de forma preventiva e no combate direto aos incêndios no Pantanal entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Estes são exemplos de produções de espaço associado ao EXO – que os integrantes podem nem ficar sabendo – que, além de terem resultados que ajudam o meio ambiente e a população local do fandom, influênciam diretamente na imagem e valor (simbólico e econômico) do grupo – e, sem dúvida, também na brand reputation, que considera, entre outros fatores, as menções aos idols nas redes sociais e artigos. Estes projetos criam o que Thompson (2013), ao tratar dos livros que podem ser importantes, chama de burburinho:
“Burburinho é uma elocução performativa, um tipo de ato de fala que é uma característica geral no campo de publicações comerciais (e também de outras indústrias de criação). Sendo uma elocução performativa no campo de publicações comerciais, podemos dar-lhe uma definição precisa: burburinho é conversa sobre livros que podem ser importantes.” (Thompson, 2013, p. 211)
As ações do fandom geram artigos em jornais e nas redes sociais, burburinho, conversas sobre o grupo e sobre como seus integrantes, ao fazerem doações e trabalhos voluntários, inspiram os fãs a fazerem ações sociais e doações – mais uma vez conjugando espaço canônico e associado, pois, o que o fandom faz pode (e muitas vezes é o caso) influenciar diretamente o grupo e a visão que o público de forma geral tem dele.
Imagem deste texto:
첸바 KIM JONGDAE BAR @JongdaeBar - 2020
Textos deste texto:
Fraade-Blanar, Zoe; Glazer, Aaron M. Superfandom: como nossas obsessões estão mudando o que compramos e quem somos. Tradução de Guilherme Kroll. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2018.
Thompson, John B. Mercadores de Cultura. Tradução de Alzira Allegro. São Paulo: Editora Unesp, 2013.
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postado em 10 de outubro de 2020.
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